sexta-feira, 24 de outubro de 2014

GOTA DE MAR

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GOTA DE MAR
(Leandro Dias/Ana Terra)

Essa gota de mar restou
nos meus olhos que um dia
entornei por ti
e ainda sonham
quando a noite chega
e me salga o olhar

Essa fresta de luz ficou
no meu corpo que um dia
já brilhou por ti
e ainda lembra
e se incendeia
como em mim tocasses

Quem um dia amou assim 
sabe a dor que não cabe em si
não há céu, nem lugares, há nada
a saudade é mais larga que o mar
é sobreviver
querendo findar
e nem deus, nem ninguém , te ampara.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Ensinamento

Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo.
Não é. 
A coisa mais fina do mundo é o sentimento. 
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo: 
"Coitado, até essa hora no serviço pesado". 
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente. 
Não me falou em amor. 
Essa palavra de luxo.

Adélia Prado

sábado, 18 de outubro de 2014

Amo-te por sobrancelhas

Amo-te por sobrancelhas, por cabelo, 
debato-te em corredores
branquísimos onde se jogam as fontes da luz,
Discuto-te a cada nome, arranco-te com delicadeza de cicatriz,
vou pondo no teu cabelo cinzas de relâmpago
e fitas que dormiam na chuva.

Não quero que tenhas uma forma, que sejas
precisamente o que vem por trás de tua mão,
porque a água, considera a água, e os leões
quando se dissolvem no açúcar da fábula,
e os gestos, essa arquitectura do nada,
acendendo as lâmpadas a meio do encontro.

Tudo amanhã é a ardósia onde te invento e desenho.
pronto a apagar-te, assim não és, nem tampouco
com esse cabelo liso, esse sorriso.

Procuro a tua súmula, o bordo da taça onde o vinho
é também a lua e o espelho,
procuro essa linha que faz tremer um homem
numa galería de museu.

Além disso quero-te, e faz tempo e frio.
Julio Cortázar

Noites de Avaré

Quem será aquela, se chega mansinho
Parece donzela fazendo carinho
Mas nem se dá conta, parece sereia
Encantando a gente que nem lua cheia

E faz uma tribo no meio da sala
Que nem tempo antigo, formando mandala
Ninguém se aborrece e é tudo de bom
Quem nem se conhece agora é irmão
Se ela chegasse a todos os lares
Por rádios, antenas, por todos os ares
O povo humilde mais prosa seria
Aquele que manda andava na linha

A dama da noite parece rainha
De todos os cantos, de todas as rimas
Quem é essa moça, parece uma estrela
É a nossa força: a canção brasileira

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Para Não Deixar de Amar-te Nunca

Saberás que não te amo e que te amo 
pois que de dois modos é a vida, 
a palavra é uma asa do silêncio, 
o fogo tem a sua metade de frio. 

Amo-te para começar a amar-te, 
para recomeçar o infinito 
e para não deixar de amar-te nunca: 
por isso não te amo ainda. 

Amo-te e não te amo como se tivesse 
nas minhas mãos a chave da felicidade 
e um incerto destino infeliz. 

O meu amor tem duas vidas para amar-te. 
Por isso te amo quando não te amo 
e por isso te amo quando te amo. 

Pablo Neruda, in "Cem Sonetos de Amor"




Toco a sua boca

Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você."
Julio Cortázar

domingo, 5 de outubro de 2014

CAVALOS

Cavalos e felinos são meus bichos preferidos. Talvez pela elegância dos movimentos e a beleza de mesmo domesticados manterem sua altivez. Em menina aprendi a montar empiricamente os cavalos da Hípica que meu tio Paulo levava para descansar no sítio perto de Três Rios. Descansar? Eu, meus irmãos e primos não davam sossego a eles nas nossas férias passadas lá. Se não estavam encilhados montávamos a pelo mesmo. Meu preferido era o Átila, um lindo cavalo preto. Nele aprendi a gostar de galope, não gosto de marchador. Depois de grande nunca mais montei. 

Recentemente em Jericoacara , cidade linda do Ceará, um desejo infantil me levou a alugar um cavalo  para passear nas dunas. Se fosse há seis meses atrás jamais me permitiria correr esse risco por conta de hérnia de disco e fibromialgia que me atormentavam. Mas ando tão feliz com meu corpo que venho curando com homeopatia e Pilates que resolvi arriscar. E depois de subir e descer dunas ele começou num galope louco. Por segundos veio o medo de cair, de não conseguir controlar o cavalo, de me machucar. 

E em segundos minha criança interior me disse: amoleça o corpo, se entregue, seja você e o cavalo um mesmo ser. Quando me despedi dele seu olho piscou e ouvi: menina, é mais ou menos isso o amor. 

                              Ana Terra/2014


sábado, 4 de outubro de 2014

DE TODOS OS CANTOS DO MUNDO

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DE TODOS OS CANTOS DO MUNDO
Eudes Fraga/Ana Terra

Meu corpo tem muitas raízes
Em todos os cantos do mundo
Por isso eu sei lá no fundo
Que todas as flores são minhas

E tantas  estrelas são nossas
Cruzeiro do Sul, Três Marias
E são tão lindas que eu pego
Por onde vou eu carrego

Eu moro  em tanta beleza
Mas não sou dono de nada
Águas, montanhas e terras
Eu é que sou parte delas

Meus olhos já viram de tudo
Do gesto pior ao mais puro
Por todos os seres imploro
Por todas as dores eu choro

O meu coração tem batidas
De todos os cantos da vida
Eu sangro por todos os poros
Em todos os credos eu oro

A voz do povo ilumina
e todas as raças são belas
Meu Deus todo dia me ensina:
Sou eu que aprendo com elas

Meu Deus todo dia me ensina:
Sou eu que aprendo com elas


ANA TERRA: O AMOR É UMA CRENÇA

ANA TERRA: O AMOR É UMA CRENÇA

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O AMOR É UMA CRENÇA

O amor de casal é antes de tudo uma crença. O que nos garante que aqueles beijos quentes, palavras carinhosas e gestos gentis sejam amor? Nada. Inclusive porque cada um  sente o seu e jamais saberá como e quanto o outro sente. Alguns se dispõem mais a senti-lo porque não lutam contra o encantamento. Não preferem o limbo ascético do bastar-se a si mesmo mas o purgatório da alteridade. 

O outro, que amamos e por quem nos deixamos amar, nos impulsiona na verdade para dentro de nós mesmos de onde escolhemos saltar para o inferno ou para o paraiso do relacionamento a dois. Se é passageiro ou eterno vai depender da quantidade de fé que os dois depositam nesse sentimento. 

O grande amor recíproco tem duas faces como tudo. É libertação e servidão ao mesmo tempo, e sem uma não temos a outra. Como qualquer crença.