domingo, 21 de fevereiro de 2016

ÁGUA

Caio dos céus
até virar as marés
eu vou virando emoções.
Vivo a fluir,
não tenho  forma nem cor
eu vou pra onde eu vim, meu amor.
Se me detém
eu sempre posso fugir
jorrando aos borbotões.
Sei dos confins
de tanta terra e raiz
que eu molhei e amei por aí,
do limo ao ipê.
Sou eu que uno os secos,
umedeço os seres,
desço aos lodaçais.
Misturo corpos, almas,
ergo os medos
ao prazer dos imortais.
No êxtase dos místicos,
nos líquidos dos sexos,
fluxo e refluxo, suor.
Todo parto é solidão,
lágrima d’Oxum,
gota a gota,
rio a rio,
é tão doce esse sal.
Ai de mim
carrego tanta dor
a dor dos ancestrais.
Só no fim meus filhos terão paz
assim tão lindos no ventre da mãe.
Odò Iyá
brincar de renascer,
flutuam no ar outra vez,
até se tornarem essa luz...
clarão de outra mãe que faz chover.


Do fogo nascer.
https://www.youtube.com/watch?v=p9UJjW4IpRA

OS 4 ELEMENTOS - Introduçāo

A Mulher e o Menino saíram no quintal, lá fora olhar o Céu. Apesar do frio, sentir o frio da Montanha. A escuridāo imensa, olhar como se de repente descobrissem os olhos e sua funçāo.

-Olha Marte, meu filho! Aquele vermelho. Estranho ... se mexe tanto ... O Deus da Guerra está nervoso. Quero ver de novo, pega o binóculo.
Tremor nas pernas e a Mulher disfarçando. Alucinações acontecem. -Olha você e me conta.

Tremor nas pernas dele e na voz:
-É uma roda gigante, mãe! De muitas cores. É uma serpente! Agora é uma coroa de rei. Depois as Três Marias, mais duas, uma de cada lado, formando uma cruz. É uma cruz de brilhante! 

Madrugada de Sexta-feira da Paixão. Aquele sábado foi de todas as Aleluias. Durante as 12 noites seguintes a Mulher e o Menino sonharam os mesmos sonhos.

OS 4 ELEMENTOS - FOGO

Para ouvir a música na voz de 
Patricia Megale acesse:

FOGO
(Roberto Menescal/Ana Terra)

Fez-se a luz
Que também chama fogo
E fez-se o ser humano pra iluminar.
Sem a luz o ser se chama lobo
Fera de si mesmo a se devorar.

Sou quem te aquece
Levo adiante no impulso da paixão.
Quem te enobrece
Dou longo alcance à visão.

Crer para ver que nada jamais faltará.
Seja pra sempre o que eu e Deus desejar.
Eu sou mais eu pois eu
Faço a Guerra Santa
É o amor na Terra canta
A fé que anda sobre os vulcões.
Sou a flecha em brasa
Apontando o alvo nas estrelas
Nos corações.

Sou eu quem leva naves ao alto
No impulso da explosão 
E bem baixinho vou cozinhando o feijão.
Quem sabe sabe
Sei a verdade acender
Criar
O que nasce nasceu da crença 
De ser astro-rei
E todo dia dança a minha lei:
Crer para ver que nada vai se apagar
Eu sou mais eu e tudo que vai brilhar.


OS 4 ELEMENTOS - Sonho de Áries

O grande mar e sua água a se contorcer em dor. Repleto de séculos, espumas, gemidos. Ondas crescem imensas e se esticam como alguém para alcançar o Céu. No centro o ventre, a porta iluminada, num repente rompe e parte em fogo o foguete.

O Menino guia e chega, sendo assim, de todos os homens, o que primeiro pisa o astro que então conquista. Ao mesmo tempo em casa assiste o feito que a TV transmite. Lá, vestido de astronauta, a base de sua bandeira finca. 

Ao erguer os olhos, um vulto imóvel fita. Pergunta então: - Quem és? Responde ou te aniquilo! O Outro imóvel fica em meio ao obscuro. O Menino, sem resposta, saca a arma e atira. Enquanto tomba, repara seu tamanho, seus olhos se clareiam, é tão familiar... aos poucos se aproxima e vendo assim de cima, enfim se reconhece. Aquele que caíra, o Menino, era ele mesmo. O mesmo que assistia. Tonteia. Uma voz de todo lado, por trás, na frente, em cima, lhe chega forte firme:

" Aí está tão belo troféu que levará de volta aos seus iguais. Três erros cometidos mal aqui pousou os pés. Mesmo invasor, não percebeu que o anfitrião não lhe respondeu apenas por desconhecer seu idioma. A seguir violou o Princípio. Não sendo doador da vida como atreveu-se atirá-la? A precipitação o destruiu mas não foi só você o atingido. 

Você veio de uma partícula de mim, do planeta doente chamado Terra. Mas a força de sua iniciativa o trouxe até aqui para aprender que a derrota de apenas um de vocês é a derrota de toda a humanidade. Mas a vitória também. Use sua energia para conquistá-la. Compreenda que morrer e nascer é a mesma dor mas pode ser o supremo júbilo.

Eu sou o Universo Manifesto e saúdo seu renascimento."


OS 4 ELEMENTOS - Sonho de Leão

O Sol e sua luz levaram o Menino ao hospital.
A venda nos olhos e a voz do médico dizendo que por pouco ele teria sofrido uma lesão. Agora pela primeira vez conheceu a sombra daquele que na infância era só clareza e o desafio de enxergá-lo. Fixando a vista até quase queimar. Hipnotizado.

Agora, na escuridão de esperar a cura, ele se vê numa clareira da floresta virgem onde se prepara a Cerimônia Sagrada. Não é mais criança nem adulto ainda. Enquanto a Noite vai recolhendo seu manto, a Aurora chega de mansinho.

Todos estão voltamos para o leste com as mãos estendidas para receberem aquele que está chegando: o deus Sol em seu esplendor.O velho Feiticeiro pronuncia seguidamente palavras diferentes até que o primeiro raio do Sol bate no peito do Menino: 

"-Guarde seu nome. Você o recebeu do grande deus que vira todos os dias saber se você o honrou. Durante o tempo em que ele estiver presente você terá um companheiro sombrio a lhe imitar todos os gestos para que tenha consciência dos próprios atos. No meio do dia, o deus Sol estará a pino, bem em cima de sua cabeça e seu companheiro desaparecerá por alguns momentos. Então será tentado a procurar alguém que te obedeça para substituí-lo. Imediatamente ele estará de volta para lembrá-lo que você só terá poder sobre si mesmo. E todas as noites o grande deus vai se retirar deixando-o em seu lugar. Não use nunca sua luz para apenas brilhar ou ofuscar seus semelhantes. Cumpra seu destino de iluminar."


OS 4 ELEMENTOS - Sonho de Sagitário

Estava se armando uma grande tempestade. A tarde anoiteceu de repente cheia de explosões e raios. O Menino observava os mais velhos cobrindo espelhos e acendendo velas. Aproveitou o movimento e saiu sem perceberem. Foi pro campo esperar a grande água. Sempre desejou ser lavado dessa forma, com os pés na terra e o rosto virado para a imensidão.

As setas de fogo cruzando o Céu buscavam apressadamente o chão. Foi a última imagem que viu antes de cair fulminado.

Já era noite quando chegou o Homem no seu cavalo e recolheu o Menino. Levou-o para uma cabana na floresta e cuidou dele com as ervas da cura. No terceiro dia o Menino abriu os olhos. O homem sorriu: -é hora de voltar para casa. Montaram no cavalo e seguiram calados até o destino. Antes que a família em polvorosa lembrasse de agradecer ao cavaleiro, ele havia desaparecido.

O Menino estava intacto, sem arranhão ou marca mas se sentia diferente. Ninguém compreendia. A primeira vez que se olhou no espelho depois do acontecido não viu seu rosto. Ficou calado. Dia após dia procurou sua imagem refletida e não a encontrava,

Resolveu ir à procura do Homem do Cavalo. Finalmente encontrou a cabana, entrou devagarinho mas não achou ninguém. Foi até o outro lado e lá fora na clareira estava um vulto mirando o céu com seu arco e flecha. Disparou, atingiu um ponto de luz que se multiplicou em vários outros muito brilhantes. A seguir voltou-se em direção ao Menino maravilhado:- o senhor é que é o fabricante de estrelas?!

Ele sorriu o mesmo sorriso da primeira vez e fez que sim com a cabeça. Só nesse momento o Menino percebeu que o Homem era cego. A partir daquele dia o Menino chegava ao entardecer na casa de seu mestre. Primeiro aprendeu a atirar no alvo próximo. Com o tempo foi percebendo a pulsação do arco até respirar junto.

O mestre ensinava pacientemente a perceber os ruídos da floresta, das estrelas e do próprio corpo. Ele ia crescendo e adquiria um brilho especial. Até que um dia vendou-lhe os olhos com uma tira negra e falou baixinho:- agora que já sabe ouvir seu coração será mais fácil descobrir o que quer atingir. Você só vai errar quando escolher o alvo errado ou duvidar de de sua visão.

O Homem fabricava mais uma estrela. 

TERRA (Roberto Menescal/Ana Terra)

Acesse o link para ouvir a música na voz de Patricia Megale:


Eu preservo toda a vida
alimento, sou quem lida
com o pequeno ser que despontou
a semente, o menino
que beleza meu destino
sustentar a luz do Criador
Sei o joio sei o trigo
quem me fere é ferido
pois se esquece que de mim brotou
e na volta dessa vida
também volta qualquer dia
para os braços de quem maltratou
No deserto sempre firme
bem amada serei fértil
e no assédio que esse mar me faz
ora areia ou cristal
se vermelha seca ao sol
guardarei do frio e do calor
estou embaixo estou em cima
sou tão velha nesse ofício
nesse vício de amparar a dor
Sou tão dura sou tão fria
mas o pé que me amacia
é o pé de um trabalhador
Sei o meu lugar
Deus te fez de mim eu sei
para ter todo o prazer real
ver pegar ouvir
tanto cheiro e paladar
prazer só vem do corpo vem
Gosto igual não há
todo amor é natural
o prazer só vem do corpo vem
A semente o menino
sei o joio sei o trigo
guardarei do frio e do calor
o trabalho o sentido
que beleza meu destino:
sustentar a luz do Criador

OS 4 ELEMENTOS - Sonho de Touro

O Menino e sua fome anoiteceram na aridez. Nenhum acalanto doce, só o choro escondido, o pesadelo desperto, a febre na escuridão. A imitar o chão duro o corpo enrijece e gela. Enfim o Menino adormece e pela primeira vez escuta alguém cantando só pra ele uma canção comprida, leve, sem pressa.

Teme abrir os olhos, acordar, perder a visão. Sente nos cabelos um carinho e se assusta com tanta novidade. Estremece, levanta num salto e paralisa ao ver pela primeira vez a Mãe. Ela carrega um cesto de onde retira frutas, pães e mel que arruma na mesa: -vem comer, meu filho.Tudo é tão natural que ele cumpre. Chegam outros e outros estranhando o Menino e se sentam em volta da Mãe que inicia a história:

-Existe um lugar de onde vem o Menino em que vivo em chagas e aos poucos morrendo de tão retalhada por loucos que fincam em mim suas estacas. A ferro e fogo sou possuída. O esperma dos insanos contém todos os venenos misturados ao sangue que ao brigarem por mim tiraram de seus semelhantes. Assim mesmo continuo minha  missão de sustentar a matéria gerando seu alimento. O Menino veio de seu lugar para me conhecer sem cercas e falsos donos. Provar de minha natureza onde nenhum fruto é proibido porque não é guardado. Nenhum se estraga ou falta. Pertencem apenas à necessidade de gerar energia e crescimento.

De onde você vem, meu filho, todos agonizam porque violaram a Mãe Primordial. Todos os males provém desse ato.Todas as guerras, todas as mortes. Eu te ensinarei a fundamental diferença entre a posse e o apego a mim. Você simboliza o instinto de sobrevivência

Saúdo tua força. 


OS 4 ELEMENTOS - Sonho de Virgem

A Mulher levantou olhos para o Céu com saudades da Mãe. Do tempo em que ela reinava e tudo estava em ordem. Do tempo que andavam juntas a colher as plantas que depois separavam por espécie para em seguida transformarem em chás, xaropes, pomadas que distribuíam a cada um segundo suas necessidades.

A primeira vez que a Mãe adoeceu foi quando um filho chegou na Grande Casa trazendo um animal no laço. Ela sentiu o peito endurecer e o leite empedrar. 

Depois outro filho voltou das montanhas com um brilho estranho nos olhos igual ao que viu escorrendo das pedras que trouxe e assou no fogo. Ela sentiu uma pontada no ventre como uma punhalada. Isso não vai dar certo, pensou. 

Na terceira e última vez foi quando a filha, contrariando a tradição, resolveu servir para sempre ao homem que a engravidara, saindo da Grande Casa. Levou mudas de algumas ervas da cura, plantou na nova morada e cercou só para eles.  A Mãe sentiu a cabeça girar, tonteou e perdeu o equilíbrio. Aí ela teve certeza que nada mais ia dar certo.

Seus descendentes descobriram rapidamente que depois de escravizarem os animais, poderiam fazer o mesmo com os homens e até trocar uns pelos outros, ou pelas plantas cercadas. E para facilitar ainda mais, inventaram que tudo poderia ser trocado pelas entranhas arrancadas da Terra que depois de polidas cintilavam que nem estrelas. Passaram a ser o valor mais cobiçado de todos.

Indignada com tanta desordem a Mãe retirou-se e foi viver no Céu para sempre transformada em constelação. Não suportou a dor de ver a filha tão amada nunca mais saber o que é amor.

OS 4 ELEMENTOS - Sonho de Capricórnio

O Menino chegou no alto da Montanha, a maior do mundo, velho e cansado mas feliz. Agora finalmente podia contemplar seu reino. Valeu a pena ler e reler durante toda vida o Livro Sagrado que ensinava o tortuoso caminho das alturas. Seguiu os ensinamentos à risca. Conseguiu lugar na expedição como simples ajudante. Carregava peso e paciência. Engolia desaforos e os restos de comida que sobravam dos pratos superiores. Sem reclamação, afinal cada um tem o que merece. E fez por merecer. 

Logo cedo percebeu que só poderia chegar adiante se fosse humilde, trabalhador e não questionasse jamais as origens de nada. Acreditasse sempre sempre naquele do qual dependia, no Céu ou na Terra. Senhor, chefe ou imperador, não importa seu nome, só importa que está acima.

Pouco a pouco companheiros iam ficando pelos caminhos e ele, atento, rapidamente apressava o passo e ocupava o lugar vago. Chegou ao meio da Montanha. Agora seria a parte mais árdua, íngreme e solitária mas estava mais confiante do que nunca. Conquistava pequenos postos de chefia dentro da expedição. Finalmente chegou lá. No fim da vida. Deu o último suspiro e ouviu a Voz Poderosa ecoando pelos vales.

-Meu filho seja bem vindo! Terá a recompensa por ter sido tão fiel a mim. Peça! Todos os seus desejos serão satisfeitos.

-Ah! Meu Senhor, seja louvado! Estou muito feliz!

Corria o tempo e a Voz Poderosa lhe dava tudo mas ele nunca ficava satisfeito. Faltava sempre alguma coisa até que descobriu e fez o pedido.

-Senhor, me perdoe incomodar mas eu queria que trouxesse todos os companheiros da expedição  que não conseguiram chegar até aqui. E que pudessem compartilhar dessa fartura toda.

A Voz  Poderosa pela primeira vez gritou com irritação:

-Peça tudo, menos isto! 

-Perdão Senhor! Como pude cometer tamanha heresia?! Cheguei ao lugar mais alto e me arrisco pelos outros a descer aos infernos! 

-Mas meu filho, onde você pensa que está?  


AR - Roberto Menescal/Ana Terra

Para ouvir a música na voz de Patricia Megale acesse o link


Transparente leve
mas tão longe levo a areia.
Todo fogo é forte
mas sem mim não incendeia.
Movimento,
vento lento,
brisa nordestina,
pássaros, cabelos a voar.
Vou soprando saias
e os segredos das meninas.
Levo os veleiros
até onde Deus duvida.
Pra São Pedro e São João
presentes tão bonitos
fogos de artifício e os balões...
Pensamentos livres,
são os homens a criar
novas teorias,
novas eras,
novo lar.

Sou quem leva o anjo,
é o seu guia, ouça bem:
‘- a palavra vai te libertar’.
Conduzindo sonhos
através de melodias,
beijo a boca dos cantores,
os pés de dançarinas.
Quem me inspira bem
terá acesso a maravilhas,
o sossego a paz de catedrais.

Santos e profetas,
sou o prana, o alimento.
Se andam sobre as águas
sabem o corpo transcender.

OS 4 ELEMENTOS - Sonho de Gêmeos

Da Mulher nasceram dois meninos idênticos. Logo aprenderam a falar e correr pelos arredores. Sempre juntos. A brincadeira preferida era dar nome às coisas. Descobriram que assim tudo continuaria a existir mesmo fora do alcance dos sentidos. Acharam muita graça na invenção e foram à procura de novidades para nomear até que chegaram a um Portal alto sustentado por dois pilares claros. Entraram e lá era uma imensidão. Cada um foi para um lado.

O primeiro chegou no Lugar das Letras. Lá aprendeu rapidamente a juntá-las em palavras e frases. Ler e escrever. Ficou maravilhado com os livros e tantas histórias. Começou a enviar cartas para o irmão contando as descobertas. Esperou pelas respostas que não chegavam. Sentindo imensa saudade consultou um oráculo.

Surgiu a imagem do irmão também feliz com suas descobertas. Inúmeras oficinas e seus instrumentos. Ferramentas de marcenaria, armas de caça e pesca, utensílios de cozinha. Todos aprendiam a preparar os próprios alimentos, tecer suas roupas, construir suas casas.

Passado um tempo, os irmãos que nunca se separaram antes, voltaram ao Portal. Num longo abraço perceberam que estavam diferentes e nunca mais se angustiaram com a ausência do outro.

O primeiro, que adquiriu conhecimentos no Lugar das Letras, registrou a experiência num grande livro que serve até hoje a todos da aldeia. O que não aprendeu a ler nem escrever, sabia como ninguém traduzir os sinais da natureza. Desenvolveu a imaginação e uma forma especial de contar as histórias que são passadas de geração em geração.


OS 4 ELEMENTOS - Sonho de Libra

A Mulher e o Menino chegaram naquela aldeia quando o dia e a noite ficavam do mesmo tamanho. Era a celebração da Harmonia. Todos participavam da renovação acertando o que estava em desequilíbrio. Aparavam os cabelos, as arestas e os espinhos. Emparelhavam os animais. Uniam os pares.

No momento de equinócio trouxeram para o centro da balança o objeto sagrado. Ele brilhava feito ouro e o Sol de um lado. Feito a prata e a Lua do outro. Os noivos se ajoelharam diante dele e iam colocando no respectivo prato o que traziam. Cada um depositava a força e também a fraqueza.

Sempre que um lado pendia mais, imediatamente o outro era compensado. Se pesava a dor, no outro devia ter a compaixão. Para o frio, aquecimento. Para a sede, água. Para a sede, agua. Para a sombra, luz. Depois que encontravam o equilíbrio, chegava o ponto principal da Cerimonia.

O que agora seria depositado era tão grande que ninguém conseguia medir, mas ao mesmo tempo não devia mover um milímetro sequer da Balança Sagrada.

Quanto maior, menos peso. Devia ser leve como o ar. Flutuar.


O que eles traziam por fim, era o Amor. 


OS 4 ELEMENTOS - Sonho de Áquário.

O Menino e a Mulher quiseram ver o futuro. Para isso recuaram até o início de tudo. Com os instrumentos que agora dispunham deixaram a condição de objeto para serem sujeitos do tempo e do espaço. Assistiram ao filme da evolução do homem, da barbárie à civilização.

O desenvolvimento de cada Era e suas descobertas. A primeira sociedade organizada, a caça, a pesca, a agricultura, as tribos pastoris. Comércio, navegação, indústria. A queda do direito matriarcal, a introdução do direito patriarcal. Viram quando o Homem deu o primeiro passo em direção à dominação e à servidão. Quando a divisão natural do trabalho se transformou na divisão das pessoas em exploradores e explorados. O surgimento da propriedade, da família e do Estado. Desfilaram na tela os Senhores da Guerra e da Paz. Passaram os deuses criados à imagem e semelhança do Homem em cada período de sua História.

Chegaram ao presente e encontraram o espirito humano totalmente aturdido ante à própria criação. O filme chegou ao fim. No escuro, sentiam o peso do passado e principalmente dos vinte e um séculos da Era a que pertenciam, de Peixes, em vias de se concluir. De repente foram projetados na tela, num passado remoto.

O Menino carregando sua pesada cruz e a Mulher em prantos. Ela passava pelo pior sofrimento para uma mãe: o sofrimento do filho e a impossibilidade de trocar de lugar. Ele ensinando a aceitar que a carga pessoal de cada um é intransferível. Ela aprendendo a coragem e a fé na eternidade. Mais que tudo descobriam o divino dentro deles.

A luzes acenderam. Agora já estavam prontos a iniciar o futuro. Pertenciam, como tantos outros a um novo tipo de ser humano que sempre surge no limiar de um novo ciclo. Os que condensam a energia dos esperançosos e a transformam num foco de luz.

Ficou claro que a permanência da espécie no planeta vai depender de cada um corrigir a rota e se direcionar para uma sociedade fraterna. Essa é a condição para que exista uma nova Era. A de Aquário.

Sonho de CÂNCER

A Mulher lá no fundo do mar recebeu a visita do Grande Caranguejo que lhe informa que chegara o Momento. Ela sobe das profundezas e pede a uma onda que a leve até a praia. Pela areia vai andando até a filha que inicia então o trabalho de parto. Prepara o chá de artemísia, retira da cintura a corda de conchas e deixa estendida bem esticada ao lado, para que o cordão umbilical não enrole no seu neto que virá.

Nascem a noite e a criança envolta em algas marinhas. A Mulher a segura nas mãos, erguendo-a em consagração à Lua. Conforme o determinado no início dos tempos, surge ao amanhecer o Senhor da Civilização para celebrarem a nova partilha dos reinos. Também, conforme o determinado, aquele que primeiro falasse teria prioridade de escolha.

A Mulher perdera a voz porque a usou durante a noite inteira em preces ao 4 Elementos pedindo que se reunissem em círculo para a nova vida despontar. O Senhor da Civilização, com voz possante, declara rapidamente aos quatro ventos que tudo sobre a face da Terra, construções e invenções futuras, pertencerão para sempre ao seu domínio e ao feminino caberá o resto. Riu muito de sua esperteza já que quase nada sobrara à outra parte.

A Mulher em vez de revolta, sentiu um grande amor pelo reencontro com a filha e o encontro com o recém-nascido. Agradeceu em silencio à Lua que os iluminou e à maré que a levou até lá. Lembrou todos os ciclos que ela e seus ancestrais viveram para permitir a existência desse momento. Com a criança no braço esquerdo, deu a outra mão à filha e caminharam em direção ao Mar.

Antes de mergulhar. A Mulher olhou para o Senhor da Civilização e sorriu vitoriosa. Ele nem desconfiou que a ela coube para sempre o poder que salvará a humanidade quando seu império desmoronar: O Reino dos Sentimentos.


Voltavam enfim para casa possuindo os três dons fundamentais da magia. A voz interior, a memória e a imaginação.